Violência Doméstica e Relacionamentos Abusivos: É Preciso Romper o Silêncio
Por Cap PM Amanda Cavalcanti Mello de Paula – Coordenadora da Patrulha Maria da Penha em Uruguaiana – RS Durante quase uma década atuei como advogada, acompanhando de perto histórias de mulheres que buscavam na Justiça um recomeço após anos de sofrimento em relacionamentos marcados por controle, agressões verbais e físicas, isolamento e medo. Ao longo do tempo, […]
Por admin 24/06/2025 - Atualizado em 24/06/2025
Por Cap PM Amanda Cavalcanti Mello de Paula – Coordenadora da Patrulha Maria da Penha em Uruguaiana – RS
Durante quase uma década atuei como advogada, acompanhando de perto histórias de mulheres que buscavam na Justiça um recomeço após anos de sofrimento em relacionamentos marcados por controle, agressões verbais e físicas, isolamento e medo. Ao longo do tempo, percebi que por trás de muitos processos de divórcio, havia um ciclo silencioso e persistente de violência — muitas vezes invisível até mesmo para a própria vítima.
Hoje, como oficial da Brigada Militar e coordenadora da Patrulha Maria da Penha em Uruguaiana, sigo com o mesmo propósito: proteger, orientar e principalmente conscientizar. A violência doméstica, infelizmente, não escolhe classe social, escolaridade ou bairro. Ela acontece, com frequência, dentro de lares aparentemente “normais”, entre pessoas conhecidas, onde o afeto deveria ser um lugar de segurança — e não de medo.
Mas afinal, o que é um relacionamento abusivo? Muitas mulheres vivem relacionamentos abusivos sem sequer nomear o que estão vivenciando. Isso acontece porque nem sempre a violência se manifesta de forma física. Ela pode ser psicológica, moral, patrimonial ou sexual. Pode estar nos xingamentos constantes, na manipulação emocional, no controle sobre com quem se fala, como se veste, no acesso ao dinheiro ou à própria liberdade.
O ciclo de um relacionamento abusivo geralmente segue três fases: 1. Tensão: críticas, ameaças veladas, clima de constante insatisfação. 2. Agressão: que pode ser verbal, física ou emocional. 3. Reconciliação: o agressor se mostra arrependido, promete mudar, e a vítima, muitas vezes, dá uma nova chance.
Esse ciclo tende a se repetir e se intensificar, tornando cada vez mais difícil romper com a situação — especialmente quando há dependência emocional, econômica ou filhos envolvidos. Costumo mencionar que o ciclo vira um grande espiral gradativo e cada vez mais violento e abusivo.
E quando a violência doméstica entra em cena? É fundamental entender que a violência contra a mulher não é um problema privado, mas sim uma violação de direitos humanos. Quando uma mulher é violentada, toda a sociedade é afetada. E todos — vizinhos, colegas de trabalho, familiares, empresas — têm um papel na prevenção e no enfrentamento dessa realidade.
A sociedade empresarial, em especial, pode exercer uma influência extremamente positiva nesse processo. Ao adotar políticas internas de acolhimento, oferecer canais seguros de escuta e promover campanhas educativas, as empresas se tornam agentes ativos na proteção das mulheres.
Além disso, ambientes profissionais atentos a mudanças de comportamento podem ajudar na identificação precoce de situações de risco. Funcionárias que se tornam mais retraídas, que faltam frequentemente ou apresentam sinais físicos ou emocionais de sofrimento, podem estar enfrentando violência — e muitas vezes não sabem a quem recorrer.
A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) representa um marco no combate à violência doméstica no Brasil. Ela prevê uma série de mecanismos de proteção à mulher, como o afastamento do agressor do lar, proibição de contato e aproximação e o acompanhamento policial, como o realizado pela Patrulha Maria da Penha.
A Patrulha atua na fiscalização das medidas protetivas concedidas pelo Judiciário, acompanhando as vítimas de forma próxima e preventiva. Nosso trabalho vai além da repressão: é também de acolhimento, escuta e orientação. Estar presente no dia a dia dessas mulheres é uma forma de quebrar o isolamento e mostrar que elas não estão sozinhas.
Conscientizar é, muitas vezes, a forma mais eficaz de prevenir. Quando falamos abertamente sobre relacionamentos abusivos e violência doméstica, oferecemos informação, nomeamos o que muitas mulheres vivem em silêncio e mostramos caminhos possíveis de saída.
Por isso, escrever sobre esse tema, falar em rodas de conversa, envolver escolas, empresas, comunidades religiosas e meios de comunicação é essencial. A violência contra a mulher é um problema coletivo e, como tal, deve ser enfrentado com união, empatia e responsabilidade social.
Romper com um relacionamento abusivo é difícil, mas é possível — e é um ato de coragem. Mais do que nunca, precisamos dizer às mulheres: você não está sozinha.