Não há Tempo de Voltar no Tempo: O uso do celular na escola
Confira a matéria de Isadora Coimbra Rodrigues Isabarrola, Graduada em Psicologia com formação em Orientação Analítica e atualmente fazendo uma Formação em Psicanálise Contemporânea.
Por admin 02/11/2024 - Atualizado em 02/11/2024
Atualmente, como já se sabe, o celular virou foco de debate entre as pessoas, principalmente nos grupos aqueles que cuidam do desenvolvimento das crianças e dos adolescentes. Pensando assim, nunca é demais refletir sobre este veículo de comunicação tão polêmico.
Estamos na era da conexão virtual, e é comum ver as pessoas usando o celular de forma recreativa e/ou funcional em quase todos os ambientes. De maneira geral, tudo que diz respeito à vida social e profissional está contido neste pequeno aparelho e literalmente é possível carregá-lo para todos os lugares. Surge então a grande questão:
Levar ou não para escola?
A resposta para esta pergunta, na minha opinião, é muito mais complexa do que um simples “sim” ou “não”. Diz respeito a entender como esta realidade vem sendo compreendida e administrada por todos. Qualquer ferramenta tecnológica pode ser utilizada como um excelente recurso para os estudos e as pesquisas, entretanto, ele também pode ser usado para impedir que seja visto o que existe além das telas. Neste sentido, Lucia Dellagnelo, mestre e doutora em Educação pela Universidade de Harvard, que integrou o time de especialistas internacionais do Relatório Global de Monitoramento da Educação da Unesco, afirma em entrevista: “Proibir o celular na escola não deveria negar o potencial da tecnologia. Trata-se de uma oportunidade de instruir a turma sobre cidadania digital, uso excessivo, vícios e diferentes formas de socialização.”
Ademais, a escola, no seu campo de ação, pode promover espaços de conversas e de conscientização, esclarecendo entre os alunos e as famílias, sobre o uso do celular. Existem estudos e observações realizadas em crianças e adolescentes, que podem colaborar para a compreensão do uso. Por isso, as pesquisas alertam sobre os prejuízos que são causados pelas telas em demasia; um exemplo são os déficits no processo de aprendizagem cognitiva e intelectual, os níveis de atenção e concentração que acabam sendo modificados e/ou alterados pelo uso excessivo do celular, as alterações de humor, de sono e mudanças no comportamento que são visíveis e relatadas pelos pais, assim como a formação da personalidade, que também torna-se influenciada pelos conteúdos acessados pela internet.
Contudo, observa-se que o cotidiano da escola também está sendo alterado. Os parâmetros de limites entre a família, a escola, o professor e o aluno estão se desconfigurando em relação aos seus papéis originais em que a relação era baseada na confiança.
Como Psicóloga Clínica e Escolar, acredito que exista um ponto cego nesta discussão que envolve o uso do celular, que atrapalha a orientação dos adultos aos jovens. A escola é o lugar de aprender, inclusive sobre as relações e, principalmente, sobre si mesmo Neste ambiente fértil, estão sendo experimentadas situações de comportamento que prejudicam esse aprendizado, como:
- Solicitações diárias para que os estudantes guardem os celulares para prestarem atenção na aula;
- Caso de crianças que preferem ficar em casa do que ir para a escola, pois ficar no celular é mais “divertido” (sic);
- Atitudes como tirar fotos e fazer vídeos sem o consentimento do outro;
- Jogos online que acontecem em grupo nas salas de aula,
- Famílias tendo que administrar o tempo de uso do celular devido ao vício;
- Ligações diretas realizadas para as famílias no período de aula para contar sobre o ocorrido, sem buscar os serviços e responsáveis da escola;
- Pedidos de autorização diretamente aos pais para saírem do ambiente escolar sem a autorização da escola,
- Atendimentos realizados às familias precisando desmistificar o ocorrido, pois a versão da criança ou adolescente é tido como verdade absoluta.
Além de outras situações que poderiam ser exemplificadas. Vale ressaltar, então, que esta extensão dos pais, em carregar, pelo Whatsapp, seus filhos é preocupante, ao meu ver. Este comportamento fortalece o vínculo já existente, porém mais infantil, reforçando uma dependência que dificulta a experiência de resolver suas próprias questões, o que certamente os levaria para
uma maturidade e um crescimento natural.
Com tudo isso, considero o ambiente social, pré-estabelecido pela escola, o lugar que viabiliza um meio seguro para o improviso na resolução de problemas, oferece a criatividade para achar soluções diferentes e próprias, a própria reflexão sobre o novo e o velho, o desenvolvimento da autonomia ao responsabilizar-se por suas escolhas, o próprio ato de errar e poder reparar e o ensaio de novos diálogos sobre o eu e o outro, desenvolvendo o autoconhecimento e a empatia. Todas são vivências que desenvolvem e/ou aprimoram as habilidades emocionais e que servirão para a dinâmica da vida adulta, ou seja, a autoconfiança, a autoestima e a descoberta de que é através da falta, que poderão ser construídas suas próprias potências.
Finalmente, a grande verdade é que não há tempo de voltar no tempo. Precisamos olhar mais para o que está acontecendo e encontrar medidas de limites entre o que é saudável e o que não faz bem, pois consequências maiores podem ser geradas a longo prazo. Estimular e recuperar as capacidades reflexivas, desenvolver habilidades criticas e funcionais dentro do ambiente da escola e fora dele, sempre produzirá uma descoberta das suas identidades e de seus potenciais, enquanto indivíduos.